sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma breve história do Türk Kahvesi (O Café Turco)

O Türk kahvesi (em português: Café Turco) é uma forma única de beber café. Quer na sua preparação, quer nos rituais associados à bebida ou na forma como junta as pessoas à volta de uma mesa e cultiva a amizade, o Café Turco é em tudo singular.

(Cortesia: Flickr)


Um pouco de história

A bebida tem uma história longa, que pode ser testemunhada no impacto que tem na cultura e no quotidiano de qualquer turco. Esta importância reflecte-se na própria língua, onde o café é usado para definir certos conceitos. A palavra turca para pequeno-almoço é " kahvaltı" (literalmente: antes do café), e o vocábulo usado para designar a cor castanha é “kahverengi” (literalmente, a cor do café).


O café foi introduzido em Constantinopla durante o sultanato de Süleyman o Magnífico, pela mão do Paxá Özdemir. Durante o seu mandato como Governador do Iémen, Özdemir ganhou o gosto pela bebida, e apresentou-a ao Sultão. Cedo se tornou a bebida de eleição do Palácio Imperial, e posteriormente, de todo o Império. Tornou-se assim uma bebida consumida por todas as classes, ricos e pobres, independentemente de credo ou proveniência, cujas propriedades eram consideradas medicinais.


Como resultado da importância do café no Império, cedo tiveram origem estabelecimentos que serviam café. Um dos relatos mais sonantes do impacto que estes locais tiveram no quotidiano de Constantinopla chega-nos através de Pecevi, um historiador otomano do século dezassete:

“Até ao ano 962 (1554-55) na Altíssima, divinamente abençoada cidade de Constantinopla, tal como nos territórios Otomanos em geral, cafés e casas de café não existiam. Cerca desse ano, um sujeito chamado Hakam, de Aleppo, e outro indivíduo chamado Shams, de Damasco, chegaram à cidade: cada um deles abriu uma grande loja na zona de Tahtalkala, e começaram a vender café. Essas lojas tornaram-se pontos de encontro de um círculo de hedonistas e ociosos, e alguns intelectuais de entre os homens de letras, e costumavam encontrar-se em grupos de 20 ou 30. Alguns lêem livros e refinados textos, alguns ocupavam-se do gamão e xadrez, alguns traziam novos poemas e falavam de literatura. Aqueles que costumavam gastar largas somas em dinheiro a servir jantares em honra da convivência, descobriram que poderiam atingir as alegrias da convivência gastando meramente um ou dois asper pelo preço do café. Chegou a tal ponto que todos os tipos de oficiais desempregados, juízes e professores, todos procurando prioridade, e aqueles que se sentavam pelos cantos sem nada para fazer proclamaram que não existia lugar igual no que diz respeito ao prazer e relaxamento, e encheram [a loja] até que não houvesse sítio para sentar ou estar. Tornou-se tão famoso que até grandes homens não conseguiam evitar lá ir. Os imans (1) e muezzins (2) e outros pios hipócritas disseram: “As pessoas tornaram-se viciadas da casa de café: ninguém vem às mesquitas!” O ulema (3) disse “É uma casa de feitos malvados; é preferível ir à taberna que à casa de café”. Os pregadores em particular deram-se a grandes esforços para proibir [a ida às casas de café]. Os muftis (4), argumentando que algo que é aquecido até ao ponto de carbonização, tal que se torna carvão, é ilegal e emitiram fetvas (5) contra isso [o café]. No tempo do Sultão Murad III, que Deus o perdoe e tenha misericórdia dele, tiveram lugar grandes interdições e proibições, mas algumas pessoas abordaram o chefe da Polícia e o capitão da Guarda acerca da venda de café através das portas das traseiras ou em becos, em pequenas e pouco notáveis lojas, e receberam permissão para tal. Depois disto, tornou-se tão comum que a proibição foi levantada. Os pregadores e muftis agora afirmavam que [o café] não fica completamente carbonizado, e logo, é permissível. Entre os estudiosos da religião, os xeiques, os vizires, e os grandes, poucos eram os que não o bebiam. Chegou mesmo ao ponto em que os Grandes Vizires (6) construíram grandes lojas de café na qualidade de investimentos e começaram a alugá-las à taxa de uma ou duas peças de ouro por dia.”


Reza a tradição (através de uma estória apócrifa) que o café chegou à Europa após o malogrado cerco de Viena em 1683. Em rápida retirada, os otomanos deixaram todos os seus pertences no acampamento, incluindo quinhentos sacos de café. Foi assim que os vienenses começaram a beber café acompanhado com um Croissant, enfatizando a carga simbólica da sua vitória contra o Crescente.


Apesar desta imaginativa estória, o facto é que o café chegou a Viena e Paris muito antes do cerco Otomano à “Maçã Dourada” (o nome dado a Viena pelos Otomanos), pela mão de comerciantes Arménios. O café assumiu um papel importante na revitalização da economia Otomana após a perda do domínio do Mar Índico para os navegantes Portugueses.


Apesar das suas fortes raízes culturais, é aparente que o Café foi suplantado pelo Chá enquanto bebida de eleição dos Turcos. Tal deve-se às circunstâncias económicas que se seguiram à desintegração do Império Otomano: os territórios onde o Café era cultivado já não faziam do Império Otomano, e a sua importação era cara. O Chá, por outro lado, era cultivado em território Turco, e respondendo ao apelo de Mustafa Kemal Atatürk, os turcos substituíram o Café pelo Chá enquanto bebida de eleição.

Notas terminológicas:


1. O Imam é no contexto islâmico o líder de uma Mesquita e o indivíduo que guia os restantes fiéis durante a oração.
2. O Muezzin é o indivíduo que entoa o Ezan, ou o chamamento para a oração.
3. Classe de especialistas em Direito e Estudos islâmicos
4. Um mufti é um interpretador do Direito Islâmico
5. Fetva ou Fatwa é uma opinião emitida por um especialista em Direito Islâmico
6. O Grande Vizir é o mais importante dos ministros do Sultão

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